sábado, 20 de abril de 2013

Os grilos

Hoje começou a primavera, estação das flores, das andorinhas e dos grilos. Pois o meu post de hoje (mais uma recordação) é sobre os grilos, estes insectos de vida curta que só existem na primavera e que cantam com estridência na mesma proporção da temperatura ambiente. Não sei se isto é verdade, mas diziam que era possível calcular os graus do calor do dia ao escutá-los.
Lembro-me bem de quando era menino ir apanhar grilos e de tê-los em casa alimentados a alface, memórias de um tempo longínquo.
Apanhar grilos era naquele tempo uma arte que os mais novos aprendiam com os mais velhos. A primeira coisa que fazíamos era levarmos na cabeça uma boina para nos proteger do sol e para, como contarei mais à frente, transportar os grilos que conseguíssemos apanhar, depois apanhar uma haste de palanco, uma gramínea selvagem semelhante à aveia, limpava-se retirando a espiga, ficávamos assim com uma palhinha longa e maleável numa das pontas, mas suficientemente rija para fazer cócegas ao bichinho, íamos depois para um local onde houvesse serralhas (é delas que os grilos se alimentam), era o próprio cantar deles que nos conduzia para lá.
Para não andar-mos à toa à procura das tocas de grilos adultos e cantadores, púnhamo-nos à escuta para localizarmos o sítio preciso onde um cantava, depois íamo-nos aproximando muito devagarinho contra o vento, pé ante pé, levantando bem os pés. Se o grilo parasse de cantar, parávamos também de andar, retomando a progressão quando o voltávamos a ouvir.
Um grilo adulto e solteiro canta com estridência à entrada da sua toca para afastar os rivais e atrair uma parceira, depois já com uma parceira, canta de felicidade um canto diferente, digamos mais suave. Quando um grilo está preso também canta, mas certamente será de tristeza.
Continuávamos a avançar, quando estávamos pertinho e o grilo se calava, era porque ele se refugiava na toca, às vezes ainda o surpreendíamos virado de frente para o refúgio, de asas em concha a estridular. Quando isso não acontecia, procurávamos na terra um buraquinho mais ou menos oblíquo que tivesse a entrada limpa, embora com algumas caganitas do morador. Introduzíamos então a palhinha devagarinho no buraco com suaves movimentos de vai e vem para que a ponta fizesse cócegas ao bichinho fazendo que ele saísse da toca, outra técnica usada era urinar para o buraco, um acto pouco recomendável. Tenho hoje disso consciência.
Quando o grilo saía da toca, apanhávamos com muito cuidado para não lhe trilhar as asas e metíamo-los na cabeça por baixo da boina.
E assim íamos para casa com os bichinhos a fazerem-nos cócegas no couro cabeludo. Depois colocávamo-los em gaiolas artesanais feitas por nós próprios e alimentávamo-los a alface. Fazer as gaiolas para os grilos, era outra arte, mas não vou agora falar dela.
Tínhamos ainda como passatempo, fazer trocas de grilos cantadores. Para sabermos se eram bons contadores assobiávamos uma melodia para os incitar, grilo que não respondesse não valia nada e um bom cantador valia dois dos que cantassem menos.
Diziam que dava sorte ter grilos em casa como animais de estimação. Mas a sorte por vezes era curta, como curta é a vida de um grilo, que como adulto pouco mais viverá além de dois meses.